sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Embelezar não é preciso arte é preciso


A Estrela(1996), escultura de Amilcar de Castro foi transferida do Largo das Artes, região central do Rio de Janeiro, para o final do Leblon num momento de intenso processo de reestruturação da cidade. A mudança para a orla do Leblon, um dos cartões postais da cidade, já é por si mesma questionável. Entretanto, chama a atenção o local onde a escultura foi colocada: um dos canteiros centrais que dividem as duas pistas da orla da praia. Estreito e alto, esse espaço inacessível funciona como um pedestal para a escultura. Ali, o pedestal/canteiro engendra uma espécie de espaço ideal delimitador entre o público e a obra, provocando algumas questões sobre a nova moradia da escultura. As obras de Amilcar de Castro e do movimento neoconcretista , do qual Amilcar foi um dos expoentes, não se propunham a libertar a linguagem de arte das molduras da pintura e dos pedestais da escultura? Não se tratava de superar a histórica relação de figura/fundo na arte de modo que as formas e as cores misturassem-se ao fundo, entendido nessa concepção como o próprio mundo? Enfim, não se buscava repensar as hierarquias da relação da arte com a vida?



Em sua atual localização, “A Estrela” não é acessível a um contato mais direto com eventuais passantes desta via pública, o que coloca em xeque outro importante pressuposto das obras de Amilcar: a vivência entre o espectador e a obra. Sem retomar toda a história do movimento neoconcretista, vale a pena lembrar que esses artistas buscavam construir uma nova arte a partir das premissas perceptivas e fenomenológicas que respondessem à necessidade de estabelecer relações outras com a obra, com espaço em torno e com o espectador. O não-objeto neoconcreto deseja funcionar no tempo atual sendo atualizado somente na presença do espectador, do participante. Em “A Estrela” é preciso um giro circular em torno da obra, que dura o tempo necessário para a compreensão do tempo instaurado. Em outras palavras, é imprescindível experimentar o trabalho com o próprio corpo para a produção de significados. Mas quem vai se arriscar a subir no exíguo e alto espaço do canteiro?

No final do Leblon, a escultura de Amilcar oferece na melhor das hipóteses a possibilidade de contemplação de uma obra de arte autônoma , concepção com a qual Amilcar e seus pares do movimento neoconcretas romperam. Digo melhor, porque no atual regime a partir do qual a paisagem carioca vem sendo reconstruída, esta escultura de Amilcar corre o risco de se tornar mais uma imagem no intenso fluxo informacional/imagético constitutivo das urbes na era do espetáculo e do turismo cultural. Cidades como o Rio de Janeiro vêm sofrendo um agressivo processo especulativo do solo urbano. Nelas, o espaço torna-se cada vez mais abstrato e homogêneo por ser manipulado, controlado e trocado como mercadoria de altíssimo valor econômico. Na esteira de tal dinâmica são elaboradas e implementadas políticas de revitalização e de embelezamento da cidade tanto pelo poder público como por interesses privados. Como observou a teórica Rosalyn Deutsche sobre situação semelhante em Nova York na segunda metade da década de 1980 , a retórica do embelezamento e revitalização pode ser entendia como estratégias de construção de imagem de uma cidade integrada, totalizada e coerente, escamoteando os sem números de conflitos e interesses políticos e econômicos existentes nos processos urbanos.




Na atual situação das cidades, a noção mesma de arte pública exige reflexão. É possível esquecer todas as complexas camadas de significações físicas e culturais, os conflitos políticos subsumidos em um determinado espaço urbano? É aceitável o desconhecimento ao se escolher onde e como instalar um trabalho de arte nas cidades? Em localizações em que as obras respeitem as propostas originais, trabalhos como a escultura “A Estrela” de Amilcar de Castro e de tantos outros artistas contemporâneos são capazes de provocar experiências, despertar os habitantes das cidades sobre relação com o espaço, o entorno, com o mundo. Nesse sentido, o pensamento e a reflexão de arte ainda têm algo a dizer ao sujeito contemporâneo sob o fascínio das imagens onipresentes e incapaz de estabelecer uma relação atual e concreta, enfim mais real e menos virtual, com o espaço em que vive.




1 A teoria do não-objeto foi formulada por Ferreira Gullar na tentativa de definir o objeto de arte neoconcreta. De acordo com o crítico,  o não-objeto não é um objeto negativo, nem antiobjeto, “mas um objeto especial em que se pretende realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar resto. Uma pura aparência”.
2  O conceito de arte autônoma surge junto com o projeto da modernidade, formulado no século XVIII, segundo o qual os filósofos iluministas pressupunham um campo da ciência objetiva, uma moralidade e leis universais e uma estética autônoma. Nessa concepção a arte possui leis próprias e não dependi de nenhuma outra atividade ou valor que não sejam os seus próprios, possuindo a finalidade nela mesma.


3 DEUTSCHE, Rosalyn. Uneven Development: Public Art in New York City. In October. Vol 47. (Winter, 1988). Pp.3-2



 As fotos foram retiradas de: http://m.jb.com.br/fotos-e-videos/galeria/2012/09/15/escultura-enfeita-orla-do-leblon/

Arte contemporânea em suas novas dimensões


Obras gigantescas. Museus e centros culturais colossais em diferentes partes do globo. Arquiteturas institucionais que chegam a rivalizar com a própria obra, afirmam- se como marcos, um gênero de arte per si. Monumentais, tais espaços terminam condicionando as propostas de arte em grandes formatos. Ao mesmo tempo, cresce o número de importantes colecionadores que constroem fundações próprias, multiplicando os espaços disponíveis para trabalhos de grande porte. Nesse processo de relações cada vez mais promíscuas entre a arte e a indústria milionária do entretenimento o alvo é um público novo. Ávida por informação e por surpresa, essa audiência engrossa as filas dos templos de consumo de arte. Mas fica a indagação: qual o alcance das crescentes demandas de espetacularização da experiência estética na opção de escalas e tamanhos da produção contemporânea? O que trabalhos igualmente monumentais como Promenade de Richard Serra (2008), Leviathan (2011) de Anish Kapoor, ambos no Grand Palais, de Paris, teriam a falar sobre esse momento?


A espetacularização da arte- O início do século XXI sinaliza um novo estado de coisas para a arte. A sociedade do espetáculo antevista por Guy Debord na década de 60 é uma realidade. A lógica econômica que transforma todas as esferas da vida em mercadoria, aprofunda sua interferência na experiência estética da arte. É justamente no espaço, essa dimensão política por excelência, que tal controle afirma-se mais intensamente. Em um processo incessante de abstratificação do espaço do espaço como mercadoria, as escalas e tamanhos das megalópoles, dos museus e das obras se agigantam. “Cidades genéricas”, na definição do arquiteto Rem Koolhaas, tais lugares poderiam ser pensados como manchas urbanas sem qualidades específicas e de escalas desproporcionais, o que ele chamou de “bigness”



Mapear a própria posição ou totalidade urbana em tal situação constitui tarefa vã. Aqui, os museus e centros de arte conhecem inéditas funções políticas. Em escalas monumentais, a instituição-museu afirma-se como marcos. Assume o papel de estruturador da política cultural da cidade. Altamente lucrativos, os museus são engrenagens indispensáveis para indústria do lazer e turismo. Construídos com arquiteturas grandiosas, envoltas em camadas de informações, assinaturas e grifes, tais projetos reforçam a excitação dos sentidos e o divertimento do espectador. Menos relações com objetos e mais funcionando com bancos de dados, os museus precisam de diretores e curadores que trabalhem no sentido de desespacializá-los e temporalizá-los, criando narrativas e encenações sedutoras. O evento substitui a obra.

Nesse contexto, surge um público com novas demandas e expectativas em relação à arte. A perda de experiência física vivida nas cidades de paisagem e arquitetura cenográficas produz uma espécie de sujeito descorporificado, bombardeado por estímulos visuais e roubado em sua temporalidade. Homens e mulheres das urbes virtuais experimentam um estado crônico de amnésia e de desatenção . Potencialmente, esta é a nova audiência curiosa e desejosa de estímulo para seu tempo livre. Para esse espectador, trabalhos com grande impacto visual capturam a atenção e a possibilidade de extrair uma “experiência” seguida da expressão “curti!”.


Obras com tais dimensões são particularmente cobiçadas pelo mercado de arte atual. Em momento de expansão, o enorme fluxo de capital vindo principalmente das economias emergentes multiplica o número de colecionadores e o surgimento de novos centros de arte. Em Moscou, The Garage Center for Contemporary Culture, Nos Emirados Árabes, Guggenheim Adu Dhahi, para não mencionar os duzentos centros de arte criados ano passado na China. Na mesma proporção, aumentam os espaços expositivos privados para instalações e grandes obras. Recentemente, o colecionador bilionário François Pinault, dono do império que inclui entre outras a Christie’s, Gucci, Yves Saint Laurent inaugurou sua fundação de arte em Veneza com a suntuosidade e ambição de quem sabe capitanear as relações entre arte e a indústria da moda e do entretenimento. Ainda na tendência de exposições histriônicas, Bienais como a de Veneza, ao determinar imensos pavilhões para representações de países, acabam impondo os tamanhos e escalas às propostas dos artistas. Mas quanto da produção atual não sucumbiu ao canto das sereias da arte como espetáculo?

Escalas e tamanhos, o adensamento do lugar. Igualmente monumentais, os atuais trabalhos de Richard Serra, Anish Kapoor, para citar alguns, inscrevem-se na linguagem de arte contemporânea que intervém criticamente no espaço expositivo. Tensionam as paredes, o teto, o chão, as enormes dimensões da arquitetura dos novos museus e galerias. Incorporando o espaço institucional aos próprios trabalhos, atuam politicamente contra o poder de neutralização e esvaziamento da arte promovido pelo seu sistema.

Em 2008, Richard Serra realiza a escultura Promenade, no Grand Palais de Paris. Tirando partido da sensação de leveza sugerida ao corpo ao entrar nessa grandiosa construção de ferro e vidro, o artista propõe ao espectador repensar sua relação com o espaço público. As cinco placas de ferro de 17 metros de altura e 4 de largura com o eixo de inclinação em tensão com as sacadas de 13 metros de altura revelam um objetivo bastante preciso: trazer a escala do local para dentro do trabalho, convidando o visitante a apropriar-se do espaço. Seguindo semelhante estratégia, a escultura faz uso do eixo central do edifício como referência; instala as cinco placas em distância e ritmos calculados para provocar uma ilusão de ótica no espectador, causando a impressão de haver um desequilíbrio entre elas. Aqui, a sensação é de vertigem, como se por átimos de segundo abandonássemos nossa existência desrealizada e com uma simples caminhada prazerosa (promenade) fossemos levados a reaprender o mundo.

No mesmo Grand Palais, Anish Kapoor constrói Leviathan, em 2011. Essa grandiloquente estrutura inflável de 35 metros de altura e 120 de comprimento produz estranhamento e desconforto no espectador ao obstruir o espaço expositivo. Por outro lado, o aumento de muitas vezes da escala do espectador junto ao objeto produz um efeito de projeção na obra, de identificação com os delimites espaciais da obra. Em frente à Leviathan experimentamos uma interrupção na percepção, vivemos uma suspensão temporária, quando somos interrogados: “onde estou?” Tal qual a Alice de Lewis Carroll, por instantes nossas certezas sobre a realidade e a ilusão parecem vacilar. Esse parece ser o sentido mais urgentes das obras que lançam mão dos recursos de escalas e tamanhos gigantescos: nos convocar a reaprender o espaço real, a duvidar da zona nebulosa entre a realidade e a ilusão de uma existência cada vez mais virtual.


Martha Telles

terça-feira, 12 de julho de 2011

DICA: Bénédicte vê o Mar, de Laura Erber

      
   Bénédicte vê o Mar , último livro/trabalho de Laura Erber está disponível gratuitamente no site WWW.editoradacasa.com.br. Nele, a artista volta a expor as redes de forças e estado de tensão entre texto, imagem  e experiência do espectador/leitor. Explorando tais limites, novas possibilidades de percepção surgem em sua obra.

   Essa narrativa poética, dedicada à poeta e tradutora Bénédicte Houart, conta a história de Bénédicte e sua decisão de trancar-se no porão de uma marmoraria para escrever. Os poemas/desenhos, feitos “a dedo” no Ipad, investigam os momentos embrionários, os processos criativos. “Todo mundo tem um porão de marmoraria onde se tranca para que algo possa acontecer, mesmo que seja a rua ou o cosmos inteiro”, fala Laura.

domingo, 10 de julho de 2011

Texto: João Gilberto e o Projeto Utópico da Bossa Nova, Lorenzo Mammi


   Surge a bossa nova e morre o botequim como lugar de criação da música popular. Aquela indistinção aparente, complementar à falta efetiva de mobilidade social, que aproximava Mário Reis e Sinhô, se esvanece. A nova música deve muito pouco ao samba do morro, muito mais, eventualmente, às lojas de discos importados que distribuíam Stan Kenton e Frank Sinatra. Sua postura em relação às influências internacionais é mais livre e solta, porque suas raízes sociais são mais claras e sua posição mais definida. Bossa nova é classe média, carioca. Ela sugere a idéia de uma vida sofisticada sem ser aristocrática, de um conforto que não se identifica com o poder. Nisto está sua novidade e sua força.
   Mas aí está também seu ponto fraco. Nos Estados Unidos, um processo similar se verificou muito antes, em meados da década de 20, com a passagem do dixielandpara a era do swing. Naquele caso, porém, a perda da indefinição social, que caracterizara a prática musical em Nova Orleans, coincide com uma profissionalização radical dos músicos, fundamento de uma futuraburguesia negra culturalmente consciente. A organização interna da big band, na década de 30, repete a da fábrica, mas como que em negativo. A atividade do músico é altamente specializada, como a do operário na divisão taylorista do trabalho. O produto final, porém, não é o resultado da mera divisão de tarefas, e sim da adição de atos criadores. Duke Ellington e Count Basie, os melhores compositores swing, reescreviam continuamente os arranjos a partir da forma com que cada integrante da orquestra modificava espontaneamente sua parte. A descoberta desse ponto de encontro entre criação e trabalho acabou constituindo o fundamento de uma autoconsciência.
  No Brasil o que acontece é o contrário: uma classe média tradicionalmente improdutiva reclama uma condição culturalmente mais rica, mais adequada a suas capacidades e ao refinamento de seu gosto. Isso a leva, quase à força, a se profissionalizar. Mas ela nunca se adapta completamente ao estatuto que o nível técnico alcançado exigiria, e a própria cultura que o produzira, como ensaio ou projeto mais do que como conquista realizada, recua depois de 1964. De fato, o abandono do amadorismo não foi, para a geração de "Chega de saudade", um processo necessário apoiado sobre uma estrutura produtiva sólida. Foi uma escolha de campo. A intimidade tão exibida dos shows de bossa nova, o excesso de apelidos carinhosos (Tonzinho, Joãozinho, Poetinha), tão contrastantes com a boemia cruel de Noel Rosa, esta necessidade contínua de confirmações afetivas — tudo isso talvez sinalize um mal-estar de quem ficou suspenso entre uma antiga sociabilidade, que se perdeu, e uma definição nova, mais racional e transparente, que não conseguiu se realizar. Ou talvez seja a forma com que a geração criadora do novo estilo resiste em se reconhecer produtiva, apresentando o seu mais rigoroso trabalho como um lazer, como o resultado ocasional de uma conversa de fim de noite.
     Se ficasse por aí, seria pouco. Mas a bossa nova não foi apenas o produto de um momento feliz da história brasileira. Ela é aquele momento feliz, sua eternização, e com isso a possibilidade perpétua de retomar os fios interrompidos. Enquanto linguagem artística, mesmo que esteja ligada a um processo histórico que fracassou, seu êxito independe daquele fracasso. Nela, a hipótese não realizada se torna fundamento, ponto de partida de qualquer hipótese futura. O que diferencia a bossa nova da música norte-americana não é um defeito, uma falha na realização de um ideal (nesse caso, seus produtos não teriam um nível qualitativo comparável ao do jazz, como de fato têm). Há algo nela que as outras tradições musicais não possuem, e que exerce um fascínio sobre elas.
***
   O centro da bossa nova continua sendo, como para o samba, o canto. Sua intuição é lírica e, mesmo nos produtos mais sofisticados, exige que se acredite numa espécie de espontaneidade. Já o jazz, cuja intuição fundamental é de natureza técnica, privilegia o acorde. A harmonia de Tom Jobim é próxima à do jazz na morfologia, mas não na função. Para um jazzista, compor significa encontrar uma estrutura harmônica capaz de infinitas variações melódicas. Para Jobim, é encontrar uma melodia que não pode ser variada, já que ela é que é o centro estrutural da composição, mas pode ser colorida por infinitas nuances harmônicas. É por isso que as improvisações jazzísticas sobre temas de bossa nova produzem, em geral, uma incômoda sensação de inutilidade. Se a forma com que o cool jazz desenvolve os temas lembra a polifonia de Bach, e ainda mais os quartetos de Mozart, a música de Jobim pode ser aproximada à de Chopin, que apresenta a mesma autosuficiência do canto. As linhas melódicas do jazz são compactas, claramente seccionadas e organizadas em volta de centros tonais definidos. Na maioria dos casos, podem ser lidas como ornamentações da progressão harmônica. As melodias da bossa nova são compridas, complexas e livres. Não podem ser esquematizadas sem perder o caráter. Um exemplo bastante claro está em "Samba de uma nota só": o começo, como já foi observado muitas vezes, é um decalque de "Nigth and day", de Cole Porter. Mas enquanto o compositor americano continua variando o mesmo esquema harmônico,mediante frases curtas apoiadas sobre poucas notas-chave, Jobim faz desembocar a progressão numa sinuosa linha melódica descendente ("Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada etc."). Nenhum jazzista escreveria uma semelhante melodia, onde as notas caraterísticas não são as notas harmônicas — uma melodia que não pode ser simplificada e sobre a qual, portanto, é impossível improvisar.
  Tom Jobim, profissional desde sempre, parece aceitar o pendor amadorístico da bossa nova como uma convenção do gênero, um elemento do estilo que não pode ser totalmente eliminado. O caráter oscilante, vago de suas orquestrações, o uso de instrumentos com ataque pouco definido, como as cordas e a flauta, não muito usados no jazz, a renúncia a explorar as possibilidades virtuosísticas dos corais, tudo isso é funcional para o predomínio absoluto da linha melódica, porque nega aos outros parâmetros a possibilidade de desenvolvimento autônomo. Já que a melodia diz todo o essencial, harmonizá-la, arranjá-la comporta sempre uma parcela de redundância. Todavia, esta redundância se tornará de certa forma funcional, porque a capacidade do canto de auto-sustentar-se se reconhece justamente no contraste entre uma linha melódica muito evoluída e o caráter quase atrofiado dos outros elementos da composição. 
    Nisso, Jobim se revela o melhor discípulo de Villa-Lobos, que fez da redundância um estilo. Mas é aqui que se infiltra, como aliás no autor das Bachianas,o veneno do amadorismo, a que o artista é condenado pela necessidade de não desvirtuar seu material. Porque a renúncia a desenvolver plenamente a obra em todos os seus aspectos é justamente o que carateriza o amador. Sobre esse impasse Jobim se mantém em equilíbrio, com indiscutível genialidade, há mais de trinta anos, resistindo às tentações complementares de um tecnicismo jazzístico e de uma vulgarização populista. Sem ele, a bossa nova seria uma expressão vaga, mais costume do que estilo.
    João Gilberto é o caminho contrário. Sem passar pelo profissionalismo, ultrapassa-o, levando o caráter do diletante ao limite extremo da rarefação — pois é diletante também aquele que leva o acabamento do produto muito além das exigências do mercado. A perfeição de João Gilberto, nascendo não de um meio, mas de uma intransigência pessoal, carrega objetivamente os estigmas da obsessão. Não pertence à esfera do social, e sim àquela do ético, ou do psicológico. Daí o caráter de vida de santo que emana das anedotas sobre o cantor, como se se refletisse nele a imagem de um equilíbrio inesperadamente alcançado, e ao mesmo tempo se suspeitasse de que este só se deu por milagre, por um esforço místico ou, o que dá quase na mesma, por uma mania.
    O ponto de partida continua sendo a auto-suficiência do canto. Mas, enquanto Jobim a cria mediante uma encenação, apresentando uma estrutura complexa só para fazê-la recuar, quase desaparecer, frente à linha melódica, João Gilberto tenta reproduzir na melodia todos os parâmetros do som, sem que por isso a voz se torne instrumento — ao contrário, aproximando sempre mais o canto à fala. É uma aspiração recorrente na música ocidental, colher a articulação com que a melodia se destaca da palavra, mas ainda manter uma ligação necessária com ela, encontrar o momento exato em que o canto adquire forma própria, sem que esta seja outra coisa além da forma do falar, sublimada. Em João Gilberto tudo isso parece alcançar uma realização. Em sua maneira de interpretar, o que caracteriza uma melodia não é a estrutura harmônica, que funciona apenas como um painel de fundo, nem o pulso, em contínuo rubato, nem mesmo a linha melódica, que é constantemente submetida a pequenas variações. A essência está em algo mais recuado, numa determinada inflexão da voz, no jeito de pronunciar uma sílaba que é comum à palavra e ao canto. Não por acaso, os únicos dois textos musicados de sua autoria se baseiam sobre assonâncias sem sentido: "Bim-bom" e "Oba-la-lá".
    A tendência a transformar o ritmo 2/4 na pulsação mais macia de 6/8, que caracteriza a batida da bossa nova, é algo que se encontra constantemente na música brasileira. Mário de Andrade a observou na forma popular de cantar o hino nacional, e recentemente foi detectada até no barroco mineiro. A raiz, evidentemente, não está numa escolha estilística, mas na prosódia natural da língua, em que as vogais mais amplas e os ditongos assumem uma parte da função articuladora das consoantes, enquanto estas, principalmente as nasais e as líquidas, tendem a fundir-se com a vogal que as precede. É uma língua, para usar um termo da música antiga, cheia de "liquescências", isto é, sonoridades fluidas, cujos início e fim não podem ser definidos com clareza. Uma língua, portanto, que resiste às marcações rígidas, tentando arredondá-las. Esse aspecto, unido à tendência contrária e complementar a reforçar os acentos (sobretudo onde há uma seqüência de monossílabos), cria já na prosódia cotidiana um movimento sincopado.
 O problema, portanto, é como utilizar numa estrutura musical uma prosódia tão caracterizada ritmicamente. Mário Reis resolvia a questão marcando cada acento, quase cada sílaba, com pequenas articulações, como golpes de palheta de um clarinete. Isso conferia às suas interpretações uma elegância peculiar, como se um riso leve corresse abaixo da melodia. Mas é um efeito secundário. A função principal é a de realçar com clareza a estrutura da melodia e do verso, sem mudar de dinâmica, como faziam os outros cantores da época, e sem utilizar o vibrato. Mário Reis segmentava as frases em células mínimas, cada uma marcada por um ataque. Nas últimas gravações, quando o envelhecimento da voz tornou difícil pronunciar todasestas articulações numa única emissão, ele canta constantemente em staccato, sílaba por sílaba, entremeadas por pausas.
    Se João Gilberto aprendeu algo de Mário Reis, foi a precisão milimétrica. No restante, seu estilo é o oposto: procura a continuidade, não a segmentação. Alguns elementos desta maneira de cantar se encontram em Sylvia Telles, sem que se possa dizer quem tenha influenciado quem (as primeiras gravações da cantora são anteriores àquelas de Gilberto). Sylvia Telles utiliza o mesmo ritardando contínuo, com o que o canto se solta parcialmente da base rítmica, que é característico do estilo de João. A interpretação da cantora nas canções "Fotografia" (de Jobim) e "Primavera" (de Carlos Lyra) são exemplos claros disso. A diferença está em que, para Sylvia Telles, como para os românticos, o ritardando é ainda um elemento expressivo, serve para dramatizar a melodia.
   A intuição fundamental de João Gilberto, ao contrário, é que este rubato pode ser empregado de forma não dramática, estrutural. Distribuindo os dois caracteres básicos e complementares da prosódia brasileira, acentuação marcada e articulação frouxa, em dois planos distintos, o da batida sincopada do violão e o da emissão vocal ininterrupta, João Gilberto cria uma dialética suficiente para transformar a melodia num organismo que se auto-sustenta, que não precisa de apoios externos para se desenvolver. Não podemos dizer, de fato, que o canto de João Gilberto se apóie sobre os acordes do acompanhamento. Muitas vezes, o que se ouve é o contrário, acordes pendurados no canto como roupas no fio de um varal. Na música erudita, a composição mais próxima a esse estilo é o Prélude à l'Après-midi d'un faune, de Debussy, sobretudo a primeira parte, onde a melodia é harmonizada repetidas vezes com acordes diferentes, que mudam sua cor sem mudar seu sentido.
   Essa defasagem rítmica contínua mantém uma ligação forte com as inflexões da língua falada, porque como esta não pode ser calculada com exatidão, nem se deixa geometrizar completamente. Mas, entre o retardo da voz e a antecipação do violão, se cria um tempo médio que nunca é pronunciado, mas que é o que garante ao verso a essência musical e ao canto o ser poesia. Em outras palavras, a canção se constrói em volta de um tempo ideal ao qual pode aludir, mas que não pode desvelar. A mesma coisa acontece na relação entre a nota da melodia e o acorde que a acompanha: relação que é sempre de dissonância, mas que alude a uma consonância tão perfeita que nenhuma consonância concreta poderia expressá-la (de novo, vem à mente a música de Debussy, em que as dissonâncias são mais eufônicas e estáveis do que os acordes perfeitos).
   Quanto ao timbre: ao que dizem, João começou imitando Orlando Silva. É uma influência difícil de ser detectada por quem, como eu, não ouviu as raríssimas gravações anteriores a "Chega de saudade". Um vibrato leve e belíssimo, que possui a preciosidade das coisas prestes a desaparecer, ainda se encontra nos primeiros LPs, por exemplo na terceira sílaba dos primeiros dois versos de "Oba-la-lá", no LP Chega de saudade, ou na sílaba final do verso "até você voltar", na faixa "Outra vez" de O amor, o sorriso e a flor (para João Gilberto devem se citar as sílabas, como na música erudita se citam os compassos). Em seguida, esse recurso não é mais utilizado. Função principal do vibrato é dar mais corpo a uma nota rítmica ou melodicamente importante. João Gilberto, porém, tenciona retirar da melodia qualquer corporeidade. Isso não significa que seu canto seja pobre timbristicamente. É que, em geral, a escolha do timbre tem nele uma função melódica, sugerindo por exemplo uma mudança de registro, da mesma forma que, em pintura, certa mudança de cor, sem nenhuma indicação de perspectiva, sugere profundidade. "Retrato em branco e preto", de Chico Buarque e Tom Jobim, é construída por frases compostas de intervalos pequenos, cuja seqüência se repete em registros sempre mais agudos. 
   No LPAmoroso, Gilberto utiliza três timbres diferentes para as notas agudas, as do registro central e as graves, mantendo, porém em cada timbre a maior uniformidade possível. Consegue assim acentuar os caracteres contrastantes que constituem o charme da canção: o tom desolado, quase de litania, das frases, e o claro-escuro dramático de seus saltos para o agudo e para o grave. Essa tendência se acentua nas gravações mais recentes: os intervalos melódicos tendem a ser substituídos gradativamente por mudanças de timbre. No último disco, João, a melodia de "You do something to me" de Cole Porter é comprimida numa textura menor do que a original, mas a variação das inflexões da voz cria a ilusão de um registro melódico completo. No mesmo disco, aliás, o cantor utiliza de forma virtuosística esse princípio quando, no final da canção "Eu sambo mesmo", reproduz o efeito de fade-out (que de regra é criado reduzindo gradativamente o volume da gravação) na repetição do último verso, mudando mais o timbre do que a dinâmica: as consoantes se tornam mais secas, os "esses" transformam-se em "zês" — João Gilberto executa tudo isso com a voz, produzindo a sensação não de um real distanciamento no espaço, mas da forma com que esse distanciamento é recriado em estúdio. O horizonte ideal do processo é um ponto em que seja suficiente falar com perfeição para que a linha melódica brote espontaneamente da palavra, uma vez encontrada a inflexão e a cor exata de cada sílaba.
***
  Sem dúvida, a música norte-americana não conhece nada de parecido. Ali uma voz é tanto mais perfeita quanto mais se aproxima do instrumento, ainda que o intérprete recuse o virtuosismo em favor da pureza melódica: Chet Baker cantor imita o Chet Baker trompetista. Um movimento contrário, segundo o qual o canto se torna tanto mais perfeito quanto mais roça a indefinição da fala, introduziria uma vertigem do infinitesimal que é absolutamente estranha à cultura jazzística. A dissonância no jazz é metáfora, isto é, nota que substitui a nota originária, reforçando de alguma forma seu significado; a dissonância para João Gilberto é litote, negação da negação de uma consonância. A síncope do jazz confirma o tempo forte; a de João Gilberto relativiza-o, cria uma suspensão temporal. O timbre do jazz é luxo (realça a linha melódica), o de João Gilberto é economia (a substitui). O pulso da bossa nova, como aliás o do samba, não pôde ser incorporado às linguagens derivadas do jazz com a mesma facilidade de outros ritmos sul-americanos. O reggae, por exemplo, que hoje é utilizado extensivamente nos arranjos de rock, não representa uma novidade substancial: ele simplesmente acentua todos os tempos fracos, da mesma forma como o rock acentuava todos os tempos fortes. No pulso da bossa nova, ao contrário, a própria oposição forte/fraco é relativizada, se torna fluida, como se o tempo ainda não fosse solidificado num movimento mecânico, e deixasse espaço a variantes individuais. O pulso da bossa nova, e sobretudo o de João Gilberto, é uma pulsação doméstica, o correr indefinido das horas em que ficamos em casa.
    Grandes metrópoles não produtivas comportam, em geral, uma fratura nítida entre interior e exterior, sociabilidade tribal na rua e isolamento familiar no lugar de moradia — como diafragma, uma porta que é suficiente fechar. Às duas realidades correspondem dois comportamentos musicais distintos, um exuberante, o outro intimista. Em Nápoles, ao lado da tammuriata e da tarantella, destinadas à socialização, existe o estilo delicado, interior, de cantores como Roberto Murolo. Algo parecido se encontra nos países árabes, na oposição entre uma música orgiástica, ligada às percussões e aos sopros, e a elegância sofisticada dos virtuoses de alaúde, escondidos no paraíso de seus pátios. O Rio de Janeiro cultiva, ao lado das marchas de carnaval, o samba sussurrado e melancólico que se canta entre amigos num quintal, e que tem em Paulinho da Viola seu poeta mais recente.     Deste ponto de vista, a música brasileira fala de uma experiência diferente da dos Estados Unidos, onde a vida particular é sempre uma forma de treino para a vida pública. A peça que os músicos improvisam depois do concerto é experimento para a próxima apresentação, e até uma canção executada numa festa de aniversário tende a ser apresentada como num show profissional. Um concerto de João Gilberto, ao contrário, mesmo num estádio, mantém algo de uma reunião de apartamento, em que se pede ao convidado uma canção (com o risco, inclusive, de que não cante). 
    Em 1940, John Cage compôs uma peça chamada Living room music, em que era utilizado como percussão tudo o que poderia se encontrar numa sala de estar: livros, jornais, móveis, janelas, portas. Desta forma, tudo o que fora simplesmente ambiente se tornava meio de comunicação, a casa virava sala de concerto, o gesto e os objetos mais íntimos entravam no fluxo de uma sociedade global. A utopia de João Gilberto é oposta. Quando, segundo anedotas muitas vezes narradas, experimenta por dias seguidos a reverberação dos azulejos do banheiro da casa de uma tia em Diamantina; quando obriga os amigos a se colocarem em pontos estratégicos de um corredor, para avaliar até que ponto ele pode cantar baixo; quando leva ao estúdio de gravação um tapete persa, porque soa melhor do que o carpete; em todos estes casos, o que João defende é a qualidade do som, não mensurável nem funcional, aquela que faz com que cantemos de preferência no banheiro, sem saber que é por causa da reverberação dos azulejos, ou que nos faz saborear a vibração que um som produz na garganta, antes mesmo de ser emitido. São caracteres residuais, incontroláveis; mas para reproduzi-los num equivalente técnico, o som gravado, é preciso um autocontrole extraordinário. Física e musicalmente, João Gilberto não sai de casa. É uma atitude que em geral seria rotulada como regressiva. Contudo, sua música se projeta no futuro, possui uma carga utópica. Até um comercial de televisão, cantado por ele, comunica uma sensação de temporalidade suspensa que não é ócio, mas uma atividade que se produz naturalmente, sem sofrimento ou esforço, como por emanação. Nela, a dimensão afetiva das palavras supera a funcional em exatidão e em capacidade propositiva. O caráter indefinido, impressionístico, com que pensávamos uma melodia sem cantá-la, de repente o reencontramos nítido, objetivo, mas ainda indefinível e íntimo, numa gravação de João Gilberto. Se o jazz é vontade de potência, a bossa nova é promessa de felicidade. No final das contas, Proust também nunca saía do quarto.


Lorenzo Mammì - Novos Estudos CEBRAP N° 34, novembro 1992

Texto: João e Miles, No Mesmo Lugar, Muito à frente: Lorenzo Mammi


celebração dos 80 anos de João Gilberto proporciona certo desconforto. Não que ele não mereça. Mas a própria ideia de comemoração, com seu alarde festivo, não parece condizente com uma personalidade tão esquiva. Atrás de todas as páginas publicadas, memórias, artigos, testemunhos, fica a impressão de que ninguém sabe ao certo quem ele é. E que a expressão evasiva, quase abobalhada, com que pronuncia poucas frases em público é uma máscara com a qual consegue nos ludibriar há décadas. Ou não? E se sua figura, seu papel de referência para tudo o que foi produzido na música brasileira dos últimos 50 anos tiver crescido a tal ponto que já não admite um indivíduo atrás dela? João Gilberto virou uma espécie de entidade, mais do que um simples intérprete de canções, e entidades não fazem aniversário. Seu aniversário é o aniversário de um país, mais do que o de uma pessoa. E aí, seria o caso de investigar como isso se deu mais do que quem ele realmente é.

TEMPO De resto, se há alguém para o qual o tempo não passa, é ele. Há artistas que ficam presos a um momento glorioso e depois se repetem. Mas certamente não é esse o caso de João Gilberto: ao contrário, a repetição, a imobilidade nele parecem essenciais. Em sua forma geral, a bossa nova é um "loop", um movimento circular, que volta constantemente ao começo. Não tem propriamente exórdios e finais, evita cadências muito conclusivas. As introduções das canções parecem colhidas no meio de uma conversa já em andamento, e os finais sugerem quase sempre que a melhor coisa a fazer seria recomeçar tudo de novo -e, de fato, João Gilberto costuma repetir três ou quatro vezes a canção inteira. Assim como não há começo nem fim, tampouco há acontecimentos dentro da canção que possam sugerir um movimento progressivo. O recurso fundamental é o da elisão, ou seja, a arte de mostrar escondendo: esconder o contraste entre tempos fortes e fracos, não apenas arredondando o 2/4 do samba em 6/8, mas, sobretudo, na mítica batida de João, pela geração contínua de síncopas e síncopas de síncopas, de maneira que o pulso fundamental seja marcado pelas pausas, e não pelos acentos; elisão das transições harmônicas, pela multiplicação de acordes intermediários (no violão de João) ou por um uso sofisticadíssimo das vozes internas (no piano de Tom Jobim); elisão na melodia, que sugere uma curva que não chega a se realizar plenamente; e na emissão da voz, que parece buscar, mais do que o som, o silêncio.

CHET BAKER Muito se falou, e de vez em quando ainda se fala, de uma influência de Chet Baker sobre João Gilberto. De fato, foi Chet Baker quem introduziu no jazz o gosto da emissão vocal puríssima, quase sem timbre e sem dinâmica, "sottovoce". Mas as semelhanças são superficiais: atrás da voz do jazzista americano transparece a vontade de seduzir pela ternura e pelo aparente desprendimento -uma sedução antitética àquela afirmativa e atrevida de um Frank Sinatra, por exemplo, mas ainda uma sedução. Quando João Gilberto canta, em nenhum momento sentimos que está buscando um contato conosco. O sujeito já desapareceu, só ficou a canção -aí está a elisão suprema, aquela que justifica todas as outras. (Como intérprete, quem reintroduziu a busca de uma comunicação interpessoal na maneira de cantar de João Gilberto, fazendo a ponte com Chet Baker, foi Caetano Veloso; mas o que se revela no canto de Caetano, mais do que a voz do sedutor, é a voz do amigo: aquele que pode abordar qualquer assunto, mesmo o mais dolorido ou espinhoso, sem perder a dimensão do afeto.) A suspensão voluntária pela qual o sujeito se mostra ao se esvaecer, se oferece à vista (ou ao ouvido) enquanto se retira do mundo, talvez seja o significado essencial da bossa nova. Seu lugar de eleição é à beira-mar, dando as costas à cidade, mas sem entrar na água. Seu tempo é à tardinha, tarde demais para fazer alguma coisa, cedo demais para sair.
   De resto, essa afirmação pela negação se reflete na personalidade dos protagonistas: Vinicius, poeta prestigiado e diplomata, que vai perdendo louros e gravata e que, mesmo depois de se tornar o maior letrista da música popular brasileira, parece constantemente tentado a se esconder atrás de parceiros menos conhecidos (de Jobim para Baden Powell, de Baden Powell para Toquinho); a timidez lendária de Jobim, sua melancolia congênita, sua vontade de se embrenhar no mato ("Águas de Março" é uma canção eufórica, mas não alegre, como bem mostrou Arthur Nestrovski); e João Gilberto, bem, este quase conseguiu a façanha de não existir.O mistério, no entanto, está no fato de esta poética da subtração, do quase não dito e não feito, ter sido um acontecimento cultural tão determinante, capaz de marcar com tamanha contundência a identidade brasileira moderna.Como pôde se tornar o maior ícone cultural de um país (porque é isso que João Gilberto é) um homem que só teima em desaparecer?

PROFISSIONALIZAÇÃO O vício da linearidade histórica nos leva a inserir a bossa nova num esquema desenvolvimentista: há o samba clássico, em seguida a influência do jazz, que gera a bossa nova, que abre o caminho à MPB, cada momento servindo de escada para o sucessivo. É um modelo fácil de decorar, mas que pouco explica. Há, de fato, um processo de progressiva profissionalização da música popular brasileira, já a partir da era do rádio, na década de 1930 -arranjos mais complexos, cantores mais aparelhados tecnicamente, um sistema de produção muito bem azeitado. Nos anos 1950, esse sistema já incorporara o jazz mais moderno, com Johnny Alf e Dick Farney, por exemplo. Mas a aparição de João Gilberto não foi apenas um passo à frente num caminho já traçado. 
   Nos primeiros álbuns, tirando as composições dos parceiros mais próximos (Jobim, Menescal, Lyra) e duas dele próprio (uma, vale ressaltar, que se autodefine como baião), poucas outras canções são incluídas, com um critério que, se não for fruto de uma estratégia consciente, é pelo menos índice de um gosto muito revelador.Os autores mais frequentados são Ary Barroso e Dorival Caymmi, aos quais se acrescenta, a partir de 1961, Geraldo Pereira. Pereira, que morrera em 1955, talvez fosse o herdeiro mais consistente do humor cirúrgico de Noel Rosa, não apenas nas letras, como também em seu fraseado peculiar, com um uso muito inventivo da síncopa.Caymmi colocara um estilo de composição muito arrojado a serviço de uma fala popular, aparentemente folclórica. E Ary Barroso era a expressão mais plena da autoconsciência técnica e poética da música popular brasileira, no auge da era do rádio.

MODERNIDADE Nenhum desses autores coincidia inteiramente com o ideal de modernidade da era JK, apesar da popularidade de que ainda gozavam. É como se João Gilberto, em plena febre desenvolvimentista, fosse procurar uma modernidade um pouco mais recuada, que já estava lá, e que, por sua vez, era baseada na releitura de uma tradição ainda mais antiga. O momento-chave, a meu ver, é a inclusão de "Aos Pés da Cruz", de Marino Pinto e Zé Gonçalves, em seu primeiro álbum, "Chega de Saudade". Se o público-alvo da bossa nova fosse apenas a classe média esclarecida da zona sul, como reza uma sociologia apressada, essa canção de versos católicos, carolas de tão recatados (apesar da citação de Pascal na segunda estrofe), ficaria deslocada. Por outro lado, talvez em nenhuma outra faixa do disco se torne mais evidente a capacidade do violão de João Gilberto de desmontar, analisar e remontar na hora, no próprio ato de executá-la, a estrutura harmônica de uma canção -justamente porque, provavelmente, essa era a melodia que menos se dispunha a isso. A bossa nova (Tom Jobim especialmente) gosta de formas musicais um pouco envelhecidas (modinha, valsa), e o estilo despojado e delicado de seus intérpretes talvez deva mais à maneira de os compositores de samba apresentarem suas canções em volta de uma mesa de bar ou num terreiro do que ao jazz de Chet Baker.

PASSADO DISSECADO Mas João Gilberto parece ir mais fundo, se alojando inteiramente numa dimensão da memória e extraindo dela as características de seu estilo inovador.Os acordes de seu violão não são novos por aparecerem como experimentação, mas por emergirem de um passado dissecado, levado à essência, revalorizado. As melodias já existem, trata-se de descobrir as harmonias delas.Não deixa de ser revelador que só haja uma canção americana entre as gravações dos primeiros anos, "I'm Looking over a Four-Leaf Clover" ("Trevo de Quatro Folhas"), e é uma composição antiga, de 1927, que se popularizou na década de 1930 pelos "cartoons" das "Merrie Melodies" - enfim, quase uma melodia infantil.O paradigma de "Chega de Saudade" insere, na projeção do país do futuro, uma modernidade que vem de trás. No fundo, é nesse momento, a partir do corte e da recuperação que a bossa nova opera, que se define o conceito de samba clássico e que a música popular brasileira começa a ter propriamente uma história. O curioso, no caso de João Gilberto, é que a descoberta da história comporta uma suspensão da história, a criação de um espaço mágico em que tudo é moderno ou pode sê-lo, e não há hierarquia. Provavelmente, se não houvesse "Aos Pés da Cruz" em "Chega de Saudade", não haveria "Coração Materno" em "Tropicália". Mas "Coração Materno" desempenha em "Tropicália" um papel muito específico, nas antípodas, por exemplo, de "Bat Macumba". "Aos Pés da Cruz" tem, em "Chega de Saudade", o mesmo estatuto que "Desafinado". As canções estão à mão, como objetos num quarto, num dia de feriado. Podem ser pegas a qualquer momento, manipuladas por um tempo indefinido, deixadas de lado de repente. Não são trabalho, muito menos espetáculo.

CONSUMO A década de 1950, e sobretudo os últimos anos, marca a transição da estética industrial da primeira metade do século 20 a outra, baseada no consumo. Como todos os momentos de transição, esse também abre espaços inesperados de liberdade ou, melhor dizendo, de felicidade. Já se viraram as costas às fábricas, mas ainda não se entrou no circo. E ainda não se sabe que o circo implica, ele também, exploração, regras rígidas, assentos numerados. A nova modernidade parece fluir sem esforço e, por isso mesmo, se parece com uma situação pré-moderna, não sistêmica, comunitária. Talvez o novo sempre tenha algo de primitivo. Mas o que se instaura nessa fase não é o primitivo selvagem das vanguardas históricas, que sugeria ruptura e revolução. É um primitivo doce, quase infantil, que sobrevive nos pontos mortos e nas horas vagas.
É uma utopia recorrente na época: quando as máquinas assumirem todas as tarefas, as hierarquias de valores vão se inverter. Tudo aquilo que é irrelevante passará a ser fundamental, porque é a outra face da vida, que o trabalho não contempla. Isso vale para o "nonsense", o tempo perdido, uma inflexão de voz que não pode ser quantificada e repetida, um sentimento que não visa à extroversão. Vale para tudo aquilo que é para nada.
Por alguma razão, o ideal brasileiro de modernidade se identificou com essa utopia de maneira mais profunda e persistente do que em outros países. E João Gilberto é sua mais perfeita expressão, inclusive pela teimosia em ficar nesse lugar indefinido -fora da fábrica, mas não dentro do circo.

MILES Contraprova. Se não tivesse morrido em 1991, Miles Davis faria 85 anos 15 dias antes do aniversário de João Gilberto. Em 1959, o mesmo ano de "Chega de Saudade", lançava "Kind of Blue", que muitos consideram o mais importante disco de jazz já gravado. Miles Davis já fora responsável por outras revoluções: com seu mítico quinteto (ele ao trompete, John Coltrane ao saxofone, Red Garland ao piano, Paul Chambers ao baixo, Philly Joe Jones na bateria), praticamente inventou o cool jazz. Com Gil Evans, revolucionou o estilo das big bands. No campo da música popular, a transição que tentei descrever tem nele seu maior protagonista. Nesse processo, contudo, "Kind of Blue" representa um ponto de volta, principalmente pela adoção sistemática da harmonia modal, que já experimentara ocasionalmente nos anos anteriores. Na harmonia tonal, a sequência de acordes é construída para "resolver" em determinadas notas, que são os pontos de apoio e de repouso da composição. Na harmonia modal, não há pontos de apoio privilegiados, as sequências não são direcionadas. Os acordes formam estruturas que permanecem, por assim dizer, em suspensão. A primeira faixa do disco, "So What?", baseada em apenas dois acordes, é o manifesto de quase todo o jazz e de muita música popular que estava por vir. Mas o modalismo não é apenas pós, é também pré-tonal: permite aproveitar todo o material de tradições étnicas ou populares não atingidas pela técnica tonal ocidental. Por um lado, a atitude e as inovações de Miles Davis faziam com que o jazz ultrapassasse o virtuosismo "operário" que ainda marcava a geração anterior (até nos maiores: Charlie Parker e Dizzy Gillespie) e adquirisse a concentração e a precisão técnica de uma experiência de laboratório; por outro, a partir de "Kind of Blue", os ritmos hipnóticos, as melodias circulares, os acordes não funcionais faziam emergir uma raiz africana que já não se confundia espontaneamente com o ritmo da produção industrial, como no jazz clássico.

  CIENTISTA E XAMàSempre mais, nos anos seguintes, Miles Davis tentou conjugar a alta tecnologia e o transe, o laboratório e a tribo, reivindicando para si, ao mesmo tempo, o papel do cientista e o do xamã. Mas a conciliação, nesse caso, não era tão fácil -aliás, talvez fosse irrealizável. Não havendo síntese possível no presente, era necessário apontar para o futuro, se colocar sempre um pouco mais além. Miles Davis é condenado a abrir caminhos, a estar sempre quilômetros à frente, "Miles Ahead", como reza o título de um álbum de 1957: como em "Bitches Brew" (1969), que inaugura o jazz fusion, ou em "Tutu" (1986), onde Miles contracena com apenas um músico (Marcus Miller) e uma floresta de sintetizadores. Mas todas essas gravações geniais, no fundo, apenas comentam e desdobram a intuição fundamental de 1959, a interrupção do fluxo do tempo pela síntese de dois acordes em que futuro e pré-história parecem coincidir por um instante. E, por um instante, não parece haver problema - so what?
   Certamente, João Gilberto nunca teve a ambição de Miles Davis. Nunca se sentiu dilacerado entre um futuro inalcançável e uma raiz perdida. Para ele, um violão acústico é moderno o bastante, e as raízes estão bem aí, na Bahia, nos sambas um pouco envelhecidos, nas "Merry Melodies". Porém, fechando-se nesse microcosmo, conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio igualmente perfeito, e dedicou a vida a preservá-lo. Na história do século 20, o fim da década de 1950 foi um dos períodos mais criativos, e não apenas no campo da música ("Acossado" de Godard, por exemplo, esta outra ode ao tempo parado, também é de 1959).Quase todos os movimentos artísticos posteriores nascem naquela época, naquele momento de suspensão que talvez ainda não tenhamos entendido plenamente -como se então a solução estivesse à mão, mas a deixamos escapar. Miles tentou reencontrá-la pelo resto da vida, sempre mais à frente. João permanece perto dela e se recusa a sair dali. Mas o tempo passa, em todo caso, e as memórias se tornam sempre mais longínquas, as celebrações sempre mais engessadas e automáticas. Talvez a melhor maneira de comemorar -se é que se pode comemorar uma vaga sensação de perda- fosse dar plena vazão às perguntas que há certo tempo rondam por aí: o que foi do jazz? O que será da canção?

Publicado Folha de S. Paulo, 10 de julho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Texto: Colecionar é uma busca, Adolfo Leirner

Em Colecionar é uma busca, Adolfo Leirner descreve qualidades essenciais a um  colecionador de arte, deixando entrever a existência de um afeto, de natureza obsessiva, indispensável nessa atividade tão particular.


Texto: Colecionar é uma busca

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O Brasil está no mapa? Reflexões sobre a inserção e a visibilidade do Brasil no mapa internacional das artes, Ana Letícia Fialho


   No final dos anos 80, agentes da cena artística “internacional”, centralizada no eixo Europa Ocidental-Estada Unidos, começam a integrar cada vez mais artistas de regiões “periféricas” em seus discursos e práticas. Fora do eixo central, Bienais e outros eventos, assim como instituições de arte contemporânea começam a se multiplicar, e agentes que atuavam em escala regional passam a buscar visibilidade e inserção internacional, pressionando as fronteiras até então bem delimitadas do mainstream internacional.
   Num contexto histórico mais amplo, vive-se o fim da guerra fria, a globalização econômica e a expansão da internet, fenômenos que mudam de forma radical as noções de tempo, de distância e de fronteira. A intensidade e a velocidade com que pessoas, bens e informações passam a circular trazem oportunidades e desafios para regiões que, até então, não tinham voz no debate internacional.
   É nesse contexto que se inicia a configuração de um novo mapa das artes, supostamente mais democrático e descentralizado. No entanto, é importante se levar em conta que esse processo é muito recente e que suas conseqüências, embora observadas em escala global, não afetam de forma simultânea e similar as diferentes regiões do planeta. Daí a pertinência a se analisar tal fenômeno a partir de contextos determinados.
    A inserção internacional da produção brasileira tem sido objeto de meu trabalho de pesquisa nos últimos 10 anos.1 Hoje, interessa-me deslocar o foco da produção para o sistema das artes e pensar o lugar do Brasil no cenário internacional. De que forma os agentes, o mercado e as instituições estão presentes (campo da visibilidade) e atuam (campo do reconhecimento) na nova geopolítica internacional das artes? Qual é a sua participação na construção de valores da produção contemporânea global? Qual o grau de permeabilidade internacional do nosso sistema das artes e como ele se articula internacionalmente?2
     Essas são algumas das questões sobre as quais repousa meu trabalho atual. Neste artigo, gostaria de abordar algumas delas, não de forma conclusiva, mas como ponto .de partida para construção de hipóteses que constituem a base de uma nova pesquisa,em sua fase inicial. 3
 Mas para se pensar sobre o lugar do Brasil no mapa das artes é importante entender quais fatores dão origem a esse movimento. O que provoca essa “abertura” do restrito circuito internacional a regiões que, até então, não apareciam no mapa ou apareciam de forma residual? Quais interesses, disputas e negociações, no plano simbólico e econômico, estão em jogo nesse processo? As fronteiras e as hierarquias de fato desapareceram?
     É interessante observar que, apesar de se tratar de uma história muito recente, é possível identificar, pelo menos, duas fases bastante distintas nesse processo: a primeira se situa entre o final dos anos 80 e o começo dos anos 90, quando ocorre uma renovação controlada da oferta4, com uma expansão de fronteiras do mapa das artes a partir do centro e com um foco na produção artística, e a fase atual, que se inicia no final dos anos 90 e ainda se encontra em curso, na qual observamos o início de uma descentralização e multiplicação dos circuitos de legitimação.
     Até meados da década de 80, o mundo internacional das artes é, de certa forma, muito mais “internacional” e homogêneo. A produção, a validação e o consumo da arte contemporânea são extremamente concentrados. Um número limitado de instituições e de agentes internacionais define os valores da arte contemporânea no plano simbólico e econômico. O que acontece no “centro” tem alcance internacional, enquanto os sistemas das artes localizados nas zonas de silêncio6, embora funcionem em articulação com o sistema internacional, como no caso do Brasil, não logram participar ativamente e em pé de igualdade do debate internacional.
    A análise de alguns números da Documenta de Kassel de 1982 mostra claramente essa concentração: na sua sétima edição, dirigida por Radi Fuchs7, a Documenta exibe 1.000 obras de 170 artistas, sendo 60 dos Estados Unidos, 52 da Alemanha, 20 da Itália, 13 da Holanda, 12 da Inglaterra, 11 da Suíça, 6 da França, 3 do Canadá, 1 da Espanha e um da Bélgica. Esse é aproximadamente o mapa internacional das artes de então.  No final da década de 80, esse sistema “internacional” vive um período de grande expansão: o boom começa no mercado, mas logo atinge as instituições; multiplica-se o número de exposições, e estas passam a circular mais. É nesse contexto que surgem grandes exposições com recortes geopolíticos, dedicadas à América Latina, à África, à Ásia, e que a produção dessas regiões começa a aparecer com mais freqüência tanto em pesquisas e publicações, como em vendas especializadas8. De forma geral,observa-se um aumento significativo da demanda por “novos produtos” no plano institucional, da academia e do mercado.
    No entanto, a forma como a produção das regiões não-centrais é apresentada oscila entre o elogio da diferença com ênfase em certa “exotização”; e a negação dessa diferença com base em critérios universais, caso em que essa produção é apresentada fora de contexto ou como “dependente” da produção “ocidental9. Há uma clara distinção entre a produção “ocidental”, que se refere aos artistas do eixo central, considerados “internacionais”, e a chamada produção “não-ocidental” em que entram todos os artistas que não fazem parte do mainstream internacional. 10
   Um marco dessa época é a exposição Les Magiciens de la Terre, organizada por Jean- Hubert Martin em 1989 no Centro Georges Pompidou, em Paris, da qual participam Cildo Meireles e Mestre Didi. Considerada uma das primeiras exposições a abordar a produção contemporânea de forma global, assume uma posição a favor da diversidade e da diferença no mundo das artes, muito embora seja criticada por ainda trazer uma visão fortemente eurocêntrica.11Uma postura mais crítica em relação a essa dicotomia “centro-periferia” começa a se esboçar no final dos anos 90 12. A partir de então, a presença de artistas das mais diversas origens se consolida no circuito internacional de exposições e bienais, e sua produção passa a integrar as coleções de museus, a ser objeto de publicações e de pesquisas e a ser comercializada no mercado internacional.
     Se tomarmos como exemplo desse processo a produção brasileira, podemos observar que na década de 80 nenhum artista brasileiro participa de Kassel ou das exposições internacionais da Bienal de Veneza, já nos anos 90 isso começa a mudar, e nas última sedições esse número se amplia significativamente. Da mesma forma, a análise de coleções de referência, como as do MoMA ou da TATE Modern, indica que a produção brasileira vem ganhando visibilidade inédita, embora tal fenômeno seja muito recente; ele se torna, de fato, significativo a partir do ano 2000.13 A presença dos artistas no mercado internacional também vem crescendo, tanto no ponto de vista quantitativo quanto em relação a valores de venda. (Cf. Anexos I a VI).
    Ao que parece, a diversidade oferecida pela expansão das fronteiras deixa de ser somente uma estratégia do sistema internacional para renovar a oferta e cumprir com uma agenda pós-colonial, politicamente correta, estabelecida nos centros. Não apenas os artistas, mas também outros agentes do campo das artes, de diferentes regiões, começam a conquistar mais espaço e reconhecimento internacional. Os discursos neocoloniais se tornam raros, e as práticas curatoriais se tornam mais críticas, apontando com frequência para a complexidade e a diversidade da produção contemporânea e para a importância de se levar em conta os seus diferentes contextos de origem.
   Hoje, fala-se de uma arte contemporânea global, mas se guarda uma postura crítica frente a tal categoria e suas limitações14. De fato, existem artistas globais de origens bastante diversas, assim como existem alguns curadores e agentes do mercado atuando em escala global, mas o movimento de expansão, descentralização e diversificação do mapa internacional das artes ainda está em processo. Ele não acarreta o surgimento de um sistema global das artes, nem mesmo traz a ampla internacionalização dos sistemas artísticos nacionais, mas sim a possibilidade de uma internacionalização parcial destes, ou seja, hoje os sistemas das artes continuam a ter dinâmicas locais/regionais/nacionais, mas neles passam a existir cada vez mais espaços e tempos de dimensão internacional.
   Por outro lado, instituições que se encontram no alto da hierarquia do sistema internacional” das artes até os anos 90, como o MoMA, a Tate, a Documenta, a Bienal de Veneza e a feira Art Basel, ainda têm um grande poder de legitimação e alta visibilidade. O que elas estão perdendo é o monopólio do poder de definir o valor simbólico e econômico da produção contemporânea internacional, pois hoje existem muito mais agentes e instituições envolvidos nesse processo. Certo, multiplicam-se os circuitos de arte contemporânea mundo afora, mas quais eventos e instituições localizados nas regiões até recentemente consideradas periféricas participam efetivamente na definição dos valores da arte contemporânea no plano internacional? Onde, com base em que parâmetros e por quem está sendo (r)escrita a história da arte contemporânea?
    Importante tem sido a atuação de agentes e de instituições de diferentes regiões não centrais, que passam a participar do processo de construção de valores numa escala internacional, tentando intervir na política de exposição e de aquisição de instituições com grande visibilidade internacional, tentando dar a eventos e a instituições regionais uma projeção internacional, e atuando também na formação de preços e na inserção de artistas no mercado internacional. Mas, no Brasil, quais agentes e instituições têm desempenhado esse papel?15 Nos últimos anos, observa-se um crescente interesse de instituições e de agentes internacionais em atuarem na construção de valores da produção brasileira no plano internacional, o que, de maneira geral, pode ter um impacto positivo no seu reconhecimento internacional16. No entanto, a participação dos agentes e das instituições brasileiras nesse processo tem sido limitada.
   Parece que, até o momento, as diversas instâncias do mundo das artes no Brasil ambicionam uma inserção internacional, mas que o grau e a capacidade de internacionalização de cada uma delas difere significativamente. De um lado, o campo da produção artística e do mercado, com uma crescente internacionalização, e no outro extremo, as instituições públicas que atuam, em sua maioria, num contexto local/regional e têm baixa inserção internacional.17 Um exemplo: a única instituição que exibe, de forma permanente, um panorama da arte brasileira atual em diálogo com a produção internacional é o Instituto de Arte Contemporânea de Inhotim, fundação privada que recebe recursos públicos através das leis de incentivo fiscal e que abriga a coleção do industrial Bernardo Paz.18
   Já os museus públicos enfrentam uma grande dificuldade na formação de coleções que contemplem a produção contemporânea internacional. Na verdade, nem mesmo a produção nacional está bem representada nas coleções públicas.19 Grande parte das instituições não consegue estabelecer uma política clara de aquisições, nem possue recursos suficientes para atuar no mercado internacional. É através de exposições temporárias que tais instituições apresentam a produção internacional, muitas vezes com projetos curatoriais importados e com custos elevados.20
     É importante voltar a esse tema em outra ocasião, mas agora seria pertinente tratarmos brevemente da internacionalização do mercado. Podemos entender que o mercado de artes no Brasil vem conquistando um espaço importante no cenário internacional e que, em conseqüência à sua crescente internacionalização, funciona também como catalisador da internacionalização do nosso sistema das artes.21 Desde os anos 90, as galerias brasileiras mais consolidadas marcam presença em feiras internacionais, como Art Basel (Anexo VI), Frieze, Arco, Miami Basel. Novas feiras, que surgem em torno das mais tradicionais, como Pulse ou Scope, vêm atraindo galerias recentemente estabelecidas.
    A feira que temos no Brasil, SP Arte, criada em 2005, conta, a cada ano, com um número maior de galerias internacionais22 e também vem atraindo colecionadores internacionais públicos e privados. O Programa Brasil Arte Contemporânea, uma parceria da APEX (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) com a Bienal de São Paulo, também tem favorecido a internacionalização do mercado brasileiro. O programa visa a incentivar a participação das galerias brasileiras em mercados internacionais e a aumentar as exportações. O programa subsidia parte dos custos de participação em feiras e organiza atividades com o objetivo de aumentar a visibilidade da produção brasileira, e de atrair a atenção de colecionadores internacionais e também da mídia especializada.
   Desde o início do programa, o número de galerias exportadoras aumentou e o volume de vendas internacionais cresceu. Atualmente, os países que mais importam arte contemporânea do Brasil são: Espanha, Estados Unidos, Suíça, Argentina, França, Inglaterra e Venezuela. 23 Um outro aspecto interessante é que as galerias de arte contemporânea, que até os anos 90 trabalhavam quase que exclusivamente com artistas brasileiros, hoje, exibem, com freqüência, artistas internacionais e algumas galerias criadas recentemente já se estabeleceram com essa vocação, como a galeria Leme (São Paulo, 2004), Progetti (Rio de Janeiro, 2008) e Rhys Mendes (São Paulo, 2009). Tem crescido também o número de residências para artistas e os programas de intercâmbio com galerias do exterior, estratégias que favorecem a internacionalização do nosso sistema das artes e também a inserção da nossa produção fora do Brasil.
     Da parte dos colecionadores, o interesse pela produção internacional também tem crescido, e, hoje, importantes coleções privadas são pontuadas por obras contemporâneas internacionais, embora o foco mais importante seja ainda a produção brasileira.A crise econômica internacional desencadeada em 2008, que atinge o mercado internacional, não afeta o mercado interno, e o fortalecimento do real e a estabilidade da nossa economia têm favorecido os colecionadores brasileiros que investem cada vez mais em nomes internacionais, cujos custos se tornaram mais acessíveis. A crise de 2008 ainda se faz sentir no âmbito internacional, afetando sobretudo os países que costumavam ocupar, até recentemente, uma posição hegemônica no circuito internacional das artes.24 Sendo o mercado uma instância fundamental na geopolítica das artes atual, o fortalecimento do mercado brasileiro e de seus agentes num contexto de crise internacional pode representar uma boa oportunidade para o sistema das artes brasileiro se reposicionar no cenário internacional como um player importante, e não mais como um simples reservatório de mercadorias artísticas de qualidade, e preços baixos.

                                                         *   *  *

1 Numa perspectiva sociológica, busquei sistematicamente confrontar certo senso comum – como a idéia de que a produção brasileira teria conquistado reconhecimento internacional – a dados quantitativos e qualitativos, coletados através de pesquisas de campo, abrangendo análise de coleções de museus, exposições, publicações, textos críticos, resultados de vendas no mercado internacional, entre outros. Em síntese, pude observar que a produção brasileira vem conquistando visibilidade crescente, sobretudo a partir dos anos 90, mas seu reconhecimento amplo e estável está ainda em processo de consolidação. Cf: FIALHO Ana Letícia, “L’insertion internationale de l’art contemporain Brésilien. Une analyse de l’insertion internationale de l’art Brésilien dans les institutions et dans le marché”, tese de doutorado defendida na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris, 2006. Um resumo do capítulo sobre o mercado foi publicado no artigo “Mercado das artes, global e desigual”, Revista Trópico, 2005: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2551,1.shl

2/ A formulação dessas questões e a mudança de foco do meu trabalho de pesquisa – de um olhar voltado ao espaço internacional para um olhar voltado à internacionalização do sistema das artes no Brasil se deu, sobretudo, a partir das discussões travadas com o Professor Hans Belting no workshop “A virada global da Arte Contemporânea nas Coleções Brasileiras”, realizado em São Paulo em agosto de 2008, em uma parceria do Goethe Institut com o Fórum Permanente .O conteúdo dessas discussões está  publicado: http://www.forumpermanente.org/.event_pres/workshops/a-virada-global-da-artecontemporanea-nas-colecoes-brasileiras/a-virada-global-da-arte-contemporanea-nas-colecoesbrasileiras, último acesso em 12.1.2010. O convite da parte de Cristiana Tejo para que participasse do Seminário “Depois do muro. A geopolítica das artes”, realizado em Recife em novembro de 2009, e que deu origem a esta publicação, foi um excelente estimulo para atualizar a minha reflexão sobre o tema

3 Parte dessa pesquisa está sendo desenvolvida dentro do projeto “Mapeamento das instituições de arte contemporânea – primeira fase: estudo preliminar sobre a economia das exposições”, sob minha coordenação, desenvolvido com o apoio do Ministério da Cultura e em parceria com a Fundação Iberê Camargo e com o Fórum Permanente. O projeto tem um objetivo específico – analisar, de uma parte, a economia gerada pelas exposições (e de seus produtos correlatos – itinerâncias, seminários, publicações, etc.) – e outro mais abrangente – identificar os espaços da arte contemporânea nas diferentes regiões do Brasil, entender de que forma eles se inserem no contexto brasileiro e como se articulam com o espaço internacional. Os resultados parciais da pesquisa serão publicados no site do Fórum Permanente (www.forumpermanente.org) a partir de julho de 2010.
4 MOULIN Raymonde, Le marché de l'art. Mondialisation et nouvelles technologies, Paris, Flammarion, 2000.
5 Ocorre uma expansão do campo institucional (espaços de arte contemporânea, bienais e equivalentes), uma diversificação do pensamento sobre a arte contemporânea (incluindo práticas curatoriais, publicações, pesquisas acadêmicas) e uma diversificação dos agentes que atuam no mercado (galerias e colecionadores de regiões não centrais passam participar do jogo internacional).
6 Expressão utilizada por Gerardo Mosquera, de forma bastante apropriada, e que permite evitar categorias insuficientes e inexatas como “centro-periferia” e “ocidental-não ocidental”. Cf. MOSQUERA Gerardo, "Notes sur la mondialisation, l'art et la différence culturelle", in: Zones de Silence, Amsterdam: Rijksakademie van beeldende kunsten/RAIN Artists' Initiatives Network, 2001.

7 Radi Fuchs tinha em sua equipe Germano Celant, na época diretor do Museu de Arte Contemporânea de Milão e um dos diretores da revista Artforum; a crítica francesa Coosje van Bruggen ; o diretor do museu de Berna, Johannes Gachnang ; e Gerard Stork. É interessante observar que Germano Celant viria a ser o curador da representação brasileira na Bienal de Veneza em 2001 (durante a gestão de Edemar Cid Ferreira na direção da Bienal de São Paulo), mas na época não sugeriu a inclusão de nenhum artista da América Latina. Celant foi também um dos defensores da abertura de uma filial do Guggenheim no Rio de Janeiro.

8 Datam dessa época: a criação de departamentos específicos dedicados à América Latina, à África e à Ásia em casas de leilão, como Christie’s e Sotheby’s; a realização de grandes exposições panorâmicas,como The Latin American Spirit, no Bronx Museum de New York, em 1988, America, Bride of the Sun, no Museu Real de Belas Artes de Anvers, em 1992, ou ainda Latin American Art of the Twentieth Century,no MoMA, em 1993 (para citarmos somente exposições dedicadas à América Latina). Também surgem publicações voltadas a regiões específicas, como Third Text (1987) ou Art Nexus (Colombia, 1976, e Estados Unidos, 1986).

9 Guy Brett, crítico inglês que desde a década de 60 se interessa pela produção contemporânea da América Latina, descreve perfeitamente essa dupla armadilha: “Considérer que l’Amérique Latine fait partie du mainstream de la culture moderne – avec le danger de l’assimilation de l’art dans la catégorie ‘internationale’, sans faire référence au contexte d’origine et à la différence entre les niveaux de vie entre Premier et Troisième Mondes ; ou bien considérer que l’Amérique Latine a une histoire, des cultures ET des conditions présentes différentes de celles d’Europe, avec le risque de réduire ces différences au folklore ou à des termes essentialistes. Les deux alternatives se présentent comme catégories restrictives aux artistes”. Cf. FIALHO Ana Letícia (2006), op. cit. O que descreve Brett se aplica também a outras regiões além da América Latina.

10 Essa dicotomia se torna mais e mais evidente. Artistas de regiões periféricas que circulavam internacionalmente e participavam de mostras internacionais de arte contemporânea, passam a ser etiquetados como “artistas não-ocidentais” e são limitados a exposições com recortes geográficos. Aqui podemos tomar o exemplo de Hélio Oiticica, ou mesmo Cildo Meireles. Se olharmos a trajetória dos dois, vemos que, no final dos anos 80, eles começam a participar de um grande número de mostras dedicadas à “arte brasileira” ou à arte “latino-americana”, sendo deslocados do contexto internacional, ao qual, de certa forma, já pertenciam, para um contexto “regional”. O mesmo equivoco ocorre com a Bienal de São Paulo, criada em 1951, e com longa tradição e vocação internacional, e que passa a ser confundida com as bienais criadas a partir do final dos anos 80, e identificada como exemplo da expansão das fronteiras do mapa em tempos de globalização. Sobre o tema, ver: FIALHO Ana Letícia, “Are Biennials redefining the art world map?”, trabalho apresentado no Annual meeting of the American Sociological Association,San Antonio, 2005, e publicado em 2007: http://www.allacademic.com/meta/p183593_index.html, último acesso em 24.01.2010.
11 Numa entrevista à revista Art Press, Martin deixa bastante clara sua busca por certo exotismo presente na produção “não-ocidental”: “Na América do Sul, especialmente, à parte o Brasil, nós tivemos muitas decepções porque encontramos artistas envolvidos num sistema de arte ocidental, com galerias, museus, etc. E as produções dos artistas nos pareceram muito dependentes de nossos grandes centros, ora, o que procurávamos era outra coisa – algo que pudesse renovar o olhar, renovar o interesse... Não me interessava mostrar que os artistas na América Latina lêem Artforum” . Cf. : MARTIN, Jean Hubert. "Dossier Les Magiciens de la Terre", in: Art Press, Paris, maio de 1989.
12 Publicações, conferências, encontros, exposições e outros projetos têm discutido a nova configuração do mapa das artes na era pós-colonial. Para citar apenas alguns exemplos: Third Text (revista editada por Rasheed Araeen e Ziauddin Sardar, Routledge, Londres), a conferência Pour une nouvelle géographie artistique (organizada pelo Museu de arte contemporânea da Bordeaux em 2001), as exposições Cartographies (oganizada por Ivo Mesquita, apresentada primeiramente em Winnipeg, Canadá em 2000) e Inclusion-exclusion: an attempt at a new cartography of art in the era of post colonialism and global migration (apresentada em Colônia, Alemanha, organizada por Peter Weil, com contribuições de Edward Said, Masao Miyoshi, Saskia Sassen, Etienne Balibar, Homi K Bhabha, Alexandre Melo, Jean Fischer, Jean Hubert Martin, Olu Oguibe, Rasheed Araeen, Jimmie Durham, Gordon Bennett, Candice Breitz, Kendell Geers e Vik Muniz).
13 Embora seu poder de legitimação seja cada vez mais questionado, entendo que tais eventos e instituições continuam a desempenhar um importante papel na definição dos valores simbólicos e econômicos da produção contemporânea; eles são as ”vitrines” com alto grau de visibilidade internacional, portanto válidos para a compreensão dessa nova configuração do mapa das artes.

14 Seria interessante retomar aqui retomar a definição de Hans Belting, que aponta para essas limitações: [global art is] by definition contemporary, not just in a chronological but also in a symbolic or even ideological sense. It is both represented and distorted by an art market whose strategies are not just economic mechanisms when crossing cultural borders, but strategies to channel art production in directions for which we still lack sufficient categories. Cf.: Belting, Hans, “Contemporary Art as Global Art. A critical estimate,” in: Belting, H. and Buddensieg, A. (organizadores), The Global Art World,Hatje Cantz Verlag, Ostfildren, 2009.

15 Uma pista pode ser encontrada no Anexo III, onde podemos identificar o esforço de galeristas, colecionadores, familiares de artistas em dar visibilidade à produção brasileira através de doações ao MoMA. No entanto, são ações isoladas. Não tivemos, até agora, uma ação organizada no plano governamental ou institucional com o objetivo de colocar de fato o Brasil no mapa internacional das artes,com exceção, talvez, de uma tentativa malograda de Edemar Cid Ferreira. A Fundação BrasilConnects, apesar de todos os problemas éticos, legais e curatoriais que tinha, chegou a desenvolver uma estratégia para a internacionalização do sistema das artes no Brasil e para a inserção internacional da produção brasileira. Recentemente o Ministério da Cultura lançou, em conjunto com a Fundação Bienal, um programa de promoção internacional da arte brasileira, mas ainda não contemplamos tal programa em nossa pesquisa, portanto esse tema deverá ser retomado em outro momento.


16 A América Latina é o foco de ações desenvolvidas por instituições como o MoMA, a Tate Modern, a Universidade de Essex, o Museu de Belas Artes de Houston, Blanton Museum, de Austin, entre outras. Essa talvez seja uma estratégia de distinção dessas instituições, em constante competição para assegurar uma posição prescriptora no cenário internacional. Muitas vezes elas atuam de forma à universalizar a sua visão específica sobre a arte contemporânea e sobre a história da arte. De toda forma, isso até pode contribuir para o reconhecimento da produção brasileira, o problema é que muitas vezes o Brasil não logra participar desse processo.

17 Tanto no que se refere a suas coleções e programação, quanto a sua visibilidade e reconhecimento em escala internacional.
18 O instituo tem três curadores: o brasileiro Rodrigo Moura, Allan Schwartzman, um dos fundadores do New Museum e consultor de coleções privados nos Estados Unidos e Jochen Voltz, que trabalhou quatro anos na galeria Neugerriemschneider, uma das mais importantes galerias de Berlim. Essa galeria, aliás, representa alguns dos artistas que hoje fazem parte da coleção da Instituição.
19 A venda da coleção de Adolfo Leirner para o Museu de Belas Artes de Houston, em 2007, é uma triste evidência da fragilidade das instituições brasileiras: nenhuma delas foi capaz de oferecer ao colecionador uma proposta melhor do que a feita pela instituição norte-americana, e aqui a referência não é somente ao preço, mas também às condições de exibição, conservação e pesquisa que envolvem a coleção.
20 Essas são algumas hipóteses a respeito da internacionalização das instituições, que devo desenvolver e complementar em breve, dentro do projeto de pesquisa que deverá mapear as instituições de arte contemporânea em todo o Brasil, já citado. Outros temas que também serão tratados são o papel da Bienal de São Paulo nesse processo, assim como o recente fenômeno da multiplicação de residências artísticas, e que tem, parece, impacto importante na internacionalização do nosso sistema das artes.
21 Trata-se, por enquanto, de uma hipótese que deverá ser ainda validada pela pesquisa empírica em desenvolvimento.
22 Em 2009, 79 galerias participaram da feira, sendo que entre elas 2 do Chile, 2 da Argentina, 1 de
Portugal e 3 da Espanha.
23 De acordo com o relatório “Análise de mercados potenciais. Definições PSI Fundação Bienal – Artes Plásticas”, elaborado pelo Departamento de Inteligência Comercial e Competitiva da Apex Brasil, novembro de 2009.
24 Sobre a hierarquia que organizava este mercado: QUEMIN, Alain, Le rôle des pays prescripteurs et Le marché de l’art contemporain, Editions Jacqueline Chambon/Artprice, Nîmes, 2001. Segundo ele, o mercado internacional era liderado pelos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Suiça, França e Itália. Os americanos tinham 34,2% do total do mercado, a Alemanha 29,9%, a Grã-Bretanha 7,5%, a França 4,3% a Itália 3,6%. Em 2000 os 10 artistas com maior notariedadade, segundo o indicador da revista Capital eram Sigmar Polke (Alemanha), Gerhard Richter (Alemanha), Bruce Nauman (Estados Unidos), Rosemarie Trockel (Alemanha), Pipilotti Rist (Suiça), Cindy Sherman(Estados Unidos), Georg Baselitz (Alemanha), Louise Bourgeois (Estados Unidos), Günther Förg (Alemanha) e Christian Boltanski (França)
.Anexos com Tabelas mencionadas no texto


Texto publicado em: FUNDAJ (org.), Depois do Muro, Fundação Joaquim
Nabuco/Editora Massagana, 2010.